Objetos do dia-a-dia e sucata servem de estímulo para o faz-de-conta nas salas de até 3 anos. A imaginação dos pequenos cria o resto
Uma linha completa de móveis adaptados ao tamanho da turma de 2 anos compõe um dos cantos da sala da professora Dilse Lopes Monteiro, do CMEI Criança Feliz, em Ariquemes, a 199 quilômetros de Porto Velho. As graciosas peças, todas de sucata, foram produzidas na própria escola. “Utilizamos garrafas descartáveis, caixas e papel colorido para construir armários, cadeiras, pia e fogão. Em um fim de semana, fizemos material para o ano todo”, conta ela. Além de usar matéria-prima barata, a divertida mobília tem uma vantagem extra: é bastante simples de ser reaproveitada. “Algumas tampas de refrigerante e papéis coloridos transformam um armário numa televisão”, exemplifica Dilse.
Numa tarde em que NOVA ESCOLA acompanhou o trabalho da turma, os pequenos eram mesmo os donos da festa. Eles mudaram a arrumação proposta pela professora, arrastando os móveis da sala e criando uma tendinha menor, mais acolhedora. Também deram novo significado a alguns itens: o forninho, por exemplo, virou dormitório para os bichos de pelúcia. Isso acontece porque, para as crianças, tudo é brinquedo. Objetos simples passam a ter significados que nós, adultos, nem sonhamos. “A mesa da classe pode virar um navio pirata. Basta colocá-la virada ao contrário no chão e amarrar um cabo de vassoura a um dos pés para fazer as vezes de mastro. Ignoramos essas relações que a garotada estabelece e oferecemos apenas brinquedos industrializados, esquecendo a riqueza potencial de outros materiais”, diz a consultora de Educação Infantil Adriana Klisys. Durante os cursos de formação que ministra, Adriana ilustra a incrível capacidade imaginativa com a seguinte cena: duas crianças estavam sentadas num enorme banco de madeira e intrigavam a professora. O comportamento delas era no mínimo curioso. Os pequenos colocavam um fogãozinho em cima do banco, sussurravam alguma coisa um para o outro e o recolocavam no chão. Repetiam o procedimento várias e várias vezes. Resistindo ao ímpeto de perguntar logo de cara do que estavam brincando, a professora se aproximou. Observou um pouco e entendeu: a dupla estava fazendo um carreto. Aos olhos infantis, aquele fogãozinho tinha se transformado na carga e o banco, no caminhão.
Virando “gente grande”
De fato, o mundo representativo e simbólico é típico dessa faixa etária. Na creche e na pré-escola, dos 2 aos 5 anos, jogos e brincadeiras são a principal atividade no desenvolvimento do psiquismo infantil. O assunto foi bem estudado pelo psicólogo russo Alexei Leontiev (1903-1979), um dos mais próximos colaboradores de Lev Vygotsky (1896-1934), pioneiro em relacionar a evolução intelectual às interações sociais. No livro Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem, Leontiev explica que é por meio das brincadeiras que a criança toma posse do mundo concreto dos adultos. No plano da imaginação, os pequenos realizam as tarefas de “gente grande” que vêem no dia-a-dia. Assim, dão conta de coisas que, na vida real, ainda não conseguem fazer.
A escola pode e deve alimentar esse saudável apetite de faz-de-conta infantil. Cabe aos professores usar a criatividade para oferecer diferentes contextos e oportunidades de ampliar a fantasia. Nesse sentido, brincadeira se ensina, ao contrário do que muitos pensam (leia o plano de trabalho acima, com sugestões para desenvolver essa capacidade).
A professora dos “caminhoneiros”, por exemplo, aproveitou a observação cuidadosa para embarcar na viagem dos pequenos. Surgiu com folhas de jornal, uma caixa de papelão e retalhos de madeira na mão e sugeriu: “Gente, vamos embalar as mercadorias para que elas não se quebrem?” Assim, expandiu as possibilidades imaginativas da turma e, por um breve momento, experimentou a alegria de voltar a ser criança.
Fonte:Revista Nova Escola
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